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20 de Abril de 2024

Impenhorabilidade para além da caderneta de poupança

Jurisprudência do STJ e a relativização do art. 833, X sobre demais fundos de investimento

Publicado por Maria Luiza Sarzi
há 5 anos

O inciso X do art. 833 do CPC traz que valores abaixo de 40 salários investidos em caderneta de poupança são impenhoráveis no âmbito da execução. A literalidade do artigo não deixa margem para demais interpretações.

"Art. 833. São impenhoráveis:

X – a quantia depositada em caderneta de poupança, até o limite de 40 (quarenta) salários mínimos"

Entretanto, a jurisprudência do STJ tem reconhecido que, no caso concreto, tal proteção estende-se aos demais fundos de investimentos, papel moeda e, inclusive, conta-corrente. A interpretação vai ao sentindo de que o valor, por ser reconhecido baixo, destina-se ao mantimento de necessidades básicas e mantimento da família.

Em primeira instância, alguns tribunais ainda insistem em aplicar a letra fria da lei, talvez até por desconhecimento dos julgados da instância superior. Porém, em grau de recurso, essa decisão tende a ser reformada.

Inicialmente, a impenhorabilidade foi reconhecida em verbas recebidas de reclamatórias trabalhistas, mesmo que investidas em fundos diversos, no REsp 978.689/SP, rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, DJe 24/08/2009. Por mais que os valores estejam depositados há certo tempo e não tenham sido utilizados imediatamente, isso não afasta o caráter alimentar:

"[...] inadmissível a penhora dos valores recebidos a título de verba rescisória de contrato de trabalho e depositados em conta corrente destinada ao recebimento de remuneração salarial (conta salário), ainda que tais verbas estejam aplicadas em fundos de investimentos, no próprio banco, para melhor aproveitamento do depósito."

No REsp 1230060, de relatoria da Ministra Maria Isabel Galotti, julgado em 2014 reconhece a aplicação para além da caderneta de poupança:

"A regra de impenhorabilidade estatuída no inciso X do art. 649 (CPC 73, correspondente ao atual art. 833), merece interpretação extensiva, para alcançar pequenas reservas de capital poupadas, e não apenas os depósitos em caderneta de poupança”, bem como no REsp n. 1.191.195/RS, relator para o acórdão Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, DJe de 26/3/2013: “A intenção do legislador foi a de proteger o pequeno investidor detentor de poupança modesta, atribuindo-lhe uma função de segurança alimentícia ou de previdência pessoal e familiar."

Ademais, pertinente ressaltar as ponderações de Clito Fornaciari Júnior:

"A par de ser, de lege ferenda, discutível esse privilégio, pois, antes de ter reservas, de rigor seria cumprir as obrigações, o fato é que a disposição soa estranha se a proteção for restrita somente às cadernetas de poupança. Se o objetivo da regra é assegurar uma reserva financeira, não faz sentido restringir-se a proteção só a essa particular modalidade de investimento, que, outrora, era o máximo a que o investidor, pessoa física, se dispunha. Atualmente, porém, pessoas físicas, mesmo de baixa renda, não se restringem a guardar suas sobras em cadernetas de poupança, dada a facilidade de aplicações e a popularização de fundos de investimentos. Nesse sentido, é conhecida a grande soma que guardam os fundos de ações da Vale do Rio Doce e da Petrobras, que foram constituídos a partir de saques em contas do FGTS. Dessa forma, melhor entender-se a expressão cadernetas de poupança como simples poupança, abrigando, pois, toda e qualquer reserva financeira, realizada sob quaisquer das múltiplas modalidades de investimentos disponíveis no mercado financeiro."

Assim, a interpretação restritiva da norma fere a intenção do legislador, a finalidade para qual ela foi elaborada. A intenção fundamental era de proteger os pequenos investidores, assegurando a reserva de capital. Restringir a impenhorabilidade para apenas a caderneta de poupança iria contra a ideia teleológica do texto. É fato que a caderneta de poupança era, em tempos remotos, uma das únicas formas de investimento em que as pessoas de baixa renda dispunham. Entretanto, com a popularização dos fundos de investimentos e a disseminação do crédito e das operações bancárias, ficou ultrapassada tal interpretação.

No REsp 1340120/SP, de relatoria do Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, julgado em 18/11/2014 é diretamente mencionado o alcance da impenhorabilidade para conta corrente, qualquer fundo de investimento e até em papel moeda.

Assim também tem aplicado o TJRS. Na decisão em agravo de instrumento julgado em março de 2019, no processo nº 70080046014, originalmente da comarca de Santa Maria, a décima segunda câmara cível reformou a decisão do juiz singular. No processo de execução, a exequida possuía cerca de vinte e quatro mil reais aplicados como Rendimento de Depósito Bancário, o CDB, o qual o exequente requereu o bloqueio via BacenJud, deferido pelo juiz da comarca. Em grau de recurso, a turma colegiada reconheceu as reiteradas decisões do Supremo Tribunal de Justiça:

"Outrossim, em face do alinhamento ao entendimento do STJ, a discussão sobre sua natureza da conta em que sobreveio o bloqueio ou dos valores se tornou irrelevante, impondo-se o reconhecimento da impenhorabilidade da quantia constrita."

Válido mencionar também a ressalva para casos de fraude, má-fe ou abuso, não tendo o credor seus direitos mitigados, como trazido no REsp 1582264 em junho de 2016.

Dado o exposto, observa-se que o legislador foi indiferente diante do aumento das possibilidades de aplicação do pequeno investidor, ao restringir a impenhorabilidade apenas à caderneta de poupança. Ratifica-se, principalmente, para casos em que essa verba seja decorrente de economias de longo-prazo, trabalhistas, previdenciárias. Ao aplicar a interpretação extensiva, o STJ confirma a teleologia da norma, de proteção ao executado.

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